Carta para a Sociedade
Acidentes por águas-vivas na região Sul: fatos a serem considerados
Os acidentes em série causados por águas-vivas na região Sul não são fatos novos. Estes envenenamentos, que sempre ocorreram esporadicamente, vêm acontecendo em maior escala há cerca de cinco anos no litoral do Paraná e de Santa Catarina, com aumento gradativo do número de pacientes, até atingir marcas elevadíssimas como os cerca de 12000 pacientes no Paraná e 6000 em Santa Catarina, desde o meio de dezembro até hoje.
Os fenômenos que causaram isso são relativamente bem conhecidos pelos profissionais que estudam cnidários (águas-vivas e caravelas) e as formas de prevenção e tratamentos de primeiros socorros também são bem estabelecidas. O problema começa quando a imprensa trata os surtos como se fossem novos a cada ano. Nada do que foi discutido e apresentado nos anos anteriores é considerado e depoimentos de pessoas nem sempre especializadas no tema pouco contribuem para esclarecer a situação.
Os surtos são bem reconhecidos: no litoral do Paraná e Santa Catarina a maioria dos acidentes é causada pela espécie Chrysaora lactea e em menor escala, pela espécie Olindias sambaquiensis (Figura 1). Outras espécies não envolvidas com os acidentes são comuns na área, como a Lychnorrhiza lucerna (Figura 1). Estas duas espécies, fáceis de reconhecer, causam acidentes leves a moderados e raramente algum envenenamento causa problemas respiratórios ou cardíacos e é classificado como grave, exigindo internação. As espécies de cnidários que podem causar envenenamentos muito graves são praticamente inexistentes na região, embora estejam presentes. Isso vale para as caravelas (comuns no Nordeste e Norte) e as cubomedusas. Os acidentes na região Sul não são graves! É fácil imaginar a catástrofe se fossem, com o número de vítimas neste início de ano… Os raros acidentes graves se somam à outra complicação: todas as espécies de cnidários podem causar reações alérgicas, que podem chegar ao choque anafilático. Assim, uma pequena fração dos acidentados (ínfima, mas real) pode se envenenar com gravidade ou fazer uma reação alérgica. Estes deverão ter atendimento hospitalar, embora a imensa maioria dos acidentados possa ter atendimento local com excelentes resultados.
Figura 1: à esquerda, no alto: Chrysaora lactea, a água-viva associada aos acidentes em massa na região Sul. À direita, no alto, Olindias sambaquiensis, outra água-viva casuadora de acidentes em massa, mas em menor proporção. À esquerda, abaixo: Lychnorrhiza lucerna, comum na região dos surtos, mas não envolvida com acidentes. À direita, abaixo: acidente típico por Chrysaora ou Olindias, com marcas irregulares e não lineares.
As marcas na pele causadas pelas águas-vivas que estão causando os surtos no Sul raramente são lineares, podendo ser irregulares, arredondadas, ovais ou até exibir tentáculos curtos (Figura 1). A dor é intensa, mas breve. O tratamento para controle da dor emprega compressas de água do mar gelada e banhos de vinagre. Por que se faz isso? A temperatura baixa anestesia o local e a vinagre impede as células de veneno ainda ativas de aumentarem o envenenamento. Ambas funcionam e são excelentes medidas para envenenamentos leves (mais de 90% dos observados na região Sul). Mas estas medidas não impedem os raros casos graves, pois não agem no veneno.
É importante que estas regras e observações sejam respeitadas. A padronização do tratamento e conhecimento real sobre os animais são fundamentais para controle dos surtos e para a tranquilidade da população. Acreditamos que a divulgação de informações corretas deve contribuir para isso. Não sabemos se o aumento das populações de cnidários na região é reversível, mas a explosiva somatória dos animais nas águas e a imensa população humana no veraneio é a causa destes surtos e devemos nos preparar para verões com números elevados de acidentes, que já são provavelmente os mais comuns envenenamentos por animais peçonhentos atualmente no Brasil. Basta seguir o que já sabemos e não recriar fatos a cada ano…
Atenciosamente,
Vidal Haddad Junior
Faculdade de Medicina de Botucatu
Universidade Estadual Paulista
E-mail: haddadjr@fmb.unesp.br